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Foto: Reprodução / Internet
Sexta-Feira | 03/05/2019
Governo e professores comentam anúncio de férias escolares de 4 períodos em São Paulo

O anúncio da divisão das férias em quatro períodos na rede pública estadual de ensino de São Paulo, a partir de 2020, dividiu opiniões entre envolvidos na área de educação. O governo aposta que a medida vai impactar na aprendizagem dos estudantes e ainda garantir a efetiva realização dos 200 dias letivos por ano; professores, porém, questionam a efetividade pedagógica da mudança.

Até este ano, o calendário das escolas estaduais prevê 15 dias de férias em dezembro, e os meses de janeiro e julho completos. Docentes têm 15 dias de férias em julho e 15 em janeiro. Isso sem contar os feriados e recessos.

A nova proposta, apresentada pelo governador João Doria (PSDB) na sexta-feira (26), é que as férias de dezembro sejam encurtadas --iniciando logo na véspera do Natal, e não mais uma semana antes do feriado. As de julho seriam reduzidas para 15 dias, e outros dois pequenos períodos de descanso deverão ser oficializados como férias nos meses com os feriados de Tiradentes (abril) e Nossa Senhora Aparecida (outubro).

O G1 ouviu explicações do secretário da Educação, Rossieli Soares da Silva, e o posicionamento do sindicato dos professores e de especialistas em pedagogia. Confira abaixo o que dizem os profissionais sobre os principais temas que cercam a questão.


Impactos no desempenho
A Secretaria da Educação afirma que o principal motivo para a divisão das férias é melhorar o desempenho dos estudantes nas matérias. Os docentes consultados pela reportagem desconhecem a justificativa pedagógica de que um mês de férias prejudica o aprendizado.

"Divisão de férias não é um assunto em pauta na pedagogia, daí a surpresa. Não acredito que traga impacto positivo nem negativo, porque o aprendizado depende é da qualidade do ensino", afirmou a pedagoga Silvia Colello, livre-docente na Universidade de São Paulo (USP).
"O aluno não é passivo, já mostrava [o psicólogo suíço Jean] Piaget. O aprendiz, independentemente da idade, elabora conhecimento, desenvolve suas competências a partir do ensino, que deve ser promovido de modo que instigue o aluno a se envolver, refletir e deduzir", continuou.

A pasta da Educação enviou à reportagem estudos que mostram a queda no desempenho dos estudantes norte-americanos após longas férias de verão nos Estados Unidos. "Essa discussão ainda não chegou nas universidades brasileiras. A reorganização vai permitir que o aluno consiga descomprimir a carga de estudos com períodos de férias menores", disse o secretário Rossieli Soares da Silva.

Para Helena Singer, PhD em sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com experiência na área da educação e passagem pela equipe do Ministério da Educação (MEC) em 2015, a comparação com outras culturas não é indicada, já que cada país tem sua realidade distinta.

"Nos EUA eles têm outra forma de dividir o ano, de trabalhar a educação básica e o ensino superior. Não usam semestres, como a gente. As estações do ano são mais acentuadas, e isso impacta por lá, pois em alguns lugares é realmente difícil seguir com aulas em determinados períodos", explicou.

"Cada lugar tem seu contexto, seus valores. Só para exemplificar, é um lugar que valoriza mais o final de novembro, com o Thanksgiving [Dia de Ação de Graças, um dos mais importantes feriados nos Estados Unidos], do que o final de dezembro, com o Natal. Outra cultura. Não tem cabimento comparar", acrescentou Singer.


Prioridades do ensino
O Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) repudiou a decisão da divisão das férias, especialmente por não considerar uma prioridade entre os desafios para a melhoria do ensino público.
"Do ponto de vista pedagógico, é balela. Para os alunos, os feriados, que funcionam como descansos, estão previstos no calendário junto com os 200 dias letivos; para os pais e professores pode ficar mais caro sair de férias quatro vezes por ano. Tem escola sem água e sem luz. Ficar discutindo férias? Me poupe. Vamos nos mobilizar muito", disse a deputada estadual pelo PT e presidente da Apeoesp, Maria Isabel Azevedo Noronha, a Bebel.

De acordo com ela, as reais prioridades e desafios do ensino na rede pública são outras, e, inclusive, já foram discutidas com o governo estadual. "Um dia antes desse anúncio, nós nos reunimos com o secretário e falamos sobre reajuste salarial, jornada de trabalho, lotação das salas de aula e infraestrutura das escolas. Ele nem tocou no assunto das férias", contou.

"Esse tipo de questão tem que ser discutida com municípios, professores, pais e alunos. Interfere na vida das pessoas", continuou.

Questionado sobre o motivo para não ter citado o assunto na reunião com a Apeoesp, o secretário da Educação disse que o assunto não foi trazido pelos professores. "Já tínhamos bastante coisa para debater e eles não trouxeram essa pauta. O processo administrativo precisa seguir no dia a dia da secretaria", disse Rossieli Soares.

O secretário acrescentou que o calendário ainda não está fechado e será discutido com as diretorias de ensino e municípios até o final de agosto, quando deve sair a versão oficial. "A intenção é apresentar duas ou três propostas até o lançamento do calendário oficial", declarou.


Lei dos 200 dias
Em 1996, a Lei das Diretrizes e Bases da Educação (LDB) estabeleceu um ano acadêmico com, no mínimo, 200 dias letivos e 800 horas de aula por ano.

De acordo com a Secretaria da Educação, a reorganização do calendário escolar não vai representar aumento nem redução da quantidade de aulas, mas sim a tentativa de fazer a lei ser cumprida por todas as escolas, já que algumas unidades emendam feriados, de modo que dias de aula são consumidos, segundo a pasta.

"Os 200 dias nem sempre são cumpridos. Vamos fazer a organização detalhada do calendário e vamos cumprir, sem aumentar a carga de trabalho", disse o secretário Rossieli. "É preciso que haja 800 horas de aula por ano, independentemente dos feriados", continuou.
A professora Cláudia Costin, que foi diretora global de educação do Banco Mundial, secretária de Educação no Rio, de Cultura em São Paulo, e ministra no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), concorda que a mudança no calendário pode ajudar no cumprimento dos 200 dias na prática. Para ela, o problema não seria apenas as emendas.

"Quando a lei foi aprovada, os outros estados reduziram as férias de julho para garantir o ano letivo. Além disso, países com sistema educacional bem colocado, como a Finlândia, aplicam de sete a nove horas de aula por dia, incluindo o almoço e o recreio. Se incluir o almoço, a média de São Paulo é de quatro ou cinco horas. À noite, a redução é ainda maior na prática", explica a professora.


Redução das desigualdades
Os estudos apresentados pela Secretaria da Educação indicam que a divisão das férias pode ajudar também na redução das desigualdades sociais. O secretário Rossieli afirmou que, na prática, o cotidiano de adversidades enfrentadas pelas crianças e jovens mais vulneráveis torna difícil a consolidação do aprendizado iniciado em sala de aula.

"Quando o menino sai de férias e não tem condição de viajar, ele fica restrito. O capital cultural não aumenta, como acontece com o menino que viaja. Esse debate é muito forte nos países desenvolvidos", disse.

Na visão da pedagoga Silvia Colello, livre-docente na USP, mais do que reduzir o tempo ocioso, o ideal seria qualificá-lo. "A secretaria poderia trabalhar em programas de incentivo à leitura durante as férias ou em parcerias que facilitem as visitas a museus e teatros. Assim, o governo promoveria um pouco do que os alunos que viajam desfrutam."
Na ocasião do anúncio da mudança, o secretário de Turismo, Vinicius Lummertz, disse que a mudança no calendário ainda "barateia o turismo", com mais gente viajando, mesmo que da capital para o interior, e vice-versa.

A deputada Maria Isabel discorda. "O que dá rotatividade ao turismo é o trabalhador ter mais dinheiro no bolso", opinou.

Fonte: G1